Roída de homenagem

Era bom estar num hotel minúsculo de Paris lá para os lados do Quartier Latin ou do Marais, com pátios e mansardas e com o corrimão das escadarias de ferro forjado, um daqueles hotéis que falham as modernidades dos equipamentos sofisticados. Mas não, hoje é um dia como os outros, cheio de jogos de paciência e habilidade, na quietude de casa. Ao cair desta tarde, lá fora, o Sol já foi embora e o rio que vejo  da minha janela está pincelado de azul. Sinto-me tentada a puxar do coração que há dentro desta cabeça e apelar á vida e ao amor.

Para falar de amor chamam-se os escritores de génio , os que  foram, universalmente irrepetíveis, que trabalharam com a discórdia, com a dor , com o conflito. E, a quem a técnica serviu bem os seus músculos quando se tratou de falar desse idioma privado, dessa linguagem de subentendidos que pertence a quem se apaixona e, que tem apenas dois falantes. Gabriel Garcia Márquez, em “ Amor nos tempo de cólera“ : “reconheceu a antiga voz iluminada, ele era o destino “ ( Firmina Daza). “O seu domínio invencível, o seu amor impávido…tinha a resposta preparada há cinquenta e três anos sete meses e onze dias com todas as suas noites”. ( Florentino Ariza ). A primeira frase  de Nabokov em “Lolita “  : “Lolita luz da minha vida, fogo da minha virilidade” ..”  Meu pecado, minha alma”, ( Humbert ). Romance mal amado, Lolita foi um dos romances da minha vida. Faltam muitos outros escritores que navegaram pelos mares dos sentimentos e que deram ao mundo histórias de amor construído sobre as suas falhas e as suas próprias contradições. Amores fortes e amores fracos que não se repetiram.

 

Só uma prosa perfeita redime da lamecha e das frases batidas que nos chegam á memória, quando toca ao amor. Mas, com os meus ingénuos recursos, permito-me dizer, que ao amor não cabe uma definição, cabe uma história. Uma história que nem as torpezas nem as  loucuras dos seus falantes afastam a docilidade do destino. É certo que,  o nosso percurso enquanto amantes, ás vezes é como se fosse, um circuito turístico autorizado, daqueles países que impedem a verdade. Prescinde-se de apurar a verdade espessa, ao mesmo tempo que se prescinde de compreender, porque não compreender é que é vida.

 

Nas coisas do amor hoje e nas que me vão sobreviver e repetir-se o que custa especialmente é o desmoronamento da ternura, esse compasso de gestos  que vai fazer com que os traços da emoção permaneçam quando a pele já não for lisa e estiver enrugada, mas  sem conservar nada da dureza ou da desordem.

Uma das sensações mais valiosas da vida é quando ainda nada começou, quando o pano ainda não subiu esse momento; o momento que se vai seguir. Qual artista consciente do seu traço tenho muitos gestos que gosto de executar e muitos pecados que gosto de desfrutar, nas  manhãs  mordidas pela luz de Verão e  quando o calor e a humidade de Outono se colam á pele como adesivo, sei que posso olhar o presente   sem suspeita.

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