Por uma imponderabilidade da existência o presente é um exercício que contraria a lógica, nega as tendências, desfaz as previsões. Neste momento ,vive-se uma lentidão imposta incompatível com a exasperada aceleração da nossa vida contemporânea.
A princípio, fica-se com uma expressão tensa de sentido reprimido e a voz vai desfilando o que não nos entretem nem diverte. Um dos tesouros do nosso quotidiano é apreender a atravessar as horas e os dias nivelados sem fazer o menor caso, vencendo, com todas as dificuldades a inversão do previsto. Tal como o anúncio súbito de algo negativo, esta fase passará.
O isolamento testa a nossa resiliência, mas também é o momento de ter o pensamento ousado que restaura o espírito e nos revigora, á medida que se levam a serio novas ideias, agora que do futuro só se desconfia. É bom visitar com a memória uma mesa posta debaixo do alpendre, o gosto do pão sem sabor a desgosto ou as cartas antigas desbotadas, porque as nossas experiências não desaparecem só porque não estão á nossa frente.
Oxalá fosse possível medir com números claros e não com palavras incertas, todos as horas em que a natureza humana é capaz de buscar a beleza onde a pode encontrar; nas gotas de chuva a escorrer na vidraça, no distante grito das aves, das ondas do mar, ou numa melodia de intensa beleza que interrompa o sepulcro do silêncio. Neste tempo em que ficamos todos mais perto e todos mais separados na melhor apreciação vemos a família como uma forma testada de felicidade, vemos a proteção do amor dos que permanecem. Vamos ao encontro daquilo que perdermos, daquilo que deixamos por dizer.
Quando a ameaça que nos desola e tira o ânimo não nos suspende a coragem tudo o resto virá em nosso proveito. Viver acarreta riscos e a história como a água avançam por onde menos se espera. O que foi estimulante e surpreendente está agora suspenso, ameaçando a manutenção da vida no nosso jardim mais ou menos previsível que parecia feita de propósito para que nada viesse a acontecer.
Deste confinamento sairemos subtilmente diferentes, impostos ao medo seremos uma versão um pouco mais completa, mais corajosa e imaginativa da pessoa que sabíamos ser. Enquanto habitamos as nossas próprias paredes temos o privilegio de poder viajar por uma serie de continentes desconhecidos, apreciar muito do que raramente registamos e de contar em cima de uma cama todas as minucias que temos confiado á vida. Da nossa fortaleza pode-se amar tudo, até o que parece inútil